27 de novembro de 2008

Filhos do Coração

A Grande Reportagem da TVI "Infância Traficada", conduzida pela jornalista Alexandra Borges, trouxe ao conhecimento de muitos de nós portugueses a realidade de situações que não se imaginam serem possíveis em pleno século XXI.
Nesta reportagem é-nos dada a conhecer a atrocidade da vida de pequenos escravos que vivem no Lago Volta, na República do Gana. As crianças são vendidas pelos pais, traficadas, submetidas a uma vida de escravatura, chegando a trabalhar mais de 14 horas por dia.Quando Alexandra Borges regressou a Portugal, convidou Luís Figo para escrever um livro infantil em co-autoria com a mesma.
E o livro tornou-se uma realidade - "Filhos do Coração" - cujos direitos de autor revertem a favor destas crianças.
Agora surge o cd, com o mesmo titulo, também com o intuito de apoiar esta causa. Além das vozes portuguesas que nele participam, conta, também, com o apoio institucional da Fundação Luís Figo, TVI, entre outros.



Ao juntarmo-nos a esta iniciativa podemos contribuir para ajudar a devolver a infância a centenas de crianças. (p.v.p livro - €14,45; p.v.p cd - €3,00)
Os fundos conseguidos revertem a favor da organização "Touch a Life Kids". No site desta Organização podemos encontrar provas do trabalho que desenvolvem, informações sobre as acções em cada um dos países em que actuam, ...., permite-nos um maior e melhor conhecimento da realidade das missões a que se propõem.
Cerca de mil euros é o valor que garante segurança, alimentação, saúde e educação a cada criança resgatada. As crianças resgatadas não são NUNCA devolvidas às suas familias: voltariam a ser vendidas. O seu futuro ficará assegurado pelo Orfanato Village of Hope, na cidade de Accra (capital do país) por um grupo de missionários americanos.

Mais uma vez, com muito pouco podemos contribuir para uma imensidão; com grandes grupos muito facilmente se angariam várias vezes mil euros...

E porque o mote desta acção é mesmo este,: "vamos libertar os pequenos escravos do século XXI".

20 de novembro de 2008

"Durmo ou não?"

"Durmo ou não? Passam juntas em minha alma
Coisas da alma e da vida em confusão,
Nesta mistura atribulada e calma
Em que não sei se durmo ou não.

Sou dois seres e duas consciências
Como dois homens indo braço-dado.
Sonolento revolvo omnisciências,
Turbulentamente estagnado.

Mas, lento, vago, emerjo de meu dois.
Disperto. Enfim: sou um, na realidade.
Espreguiço-me. Estou bem... Porquê depois,
De quê, esta vaga saudade?"
Fernando Pessoa

12 de novembro de 2008

Árvore de Sonhos (II)

Mas, para seu espanto, Cassandra disse-lhe:
- Querido, não te assustes. Vem cá…
A medo, mas a observar o olhar meigo de Cassandra, João aproximou-se.
- Que linda árvore de Natal! Só faltam os presentes, a família e uma mesa com doces: e tudo fica pronto para comemorar a noite de Natal! – exclamou Cassandra, com todo o seu carinho.
João não conseguiu controlar as lágrimas que teimavam em inundar-lhe os olhos. Já começavam a correr-lhe pela face seca do frio de Inverno.
Cassandra, de forma cautelosa, baixou-se e abraçou o menino.
- Diz-me querido, o que te faz chorar?
A muito custo, João controlou-se e conseguiu dizer algumas palavras:
- Tenho esta árvore… mas não tenho mais nada para a minha família comemorar o Natal. O meu pai trabalha muito e anda sempre zangado, a minha mãe está muito doente… não sei o que eu e os meus irmãos vamos comer na noite de Natal e sei que não vamos ter presentes…
Nesse momento, passou Pedro na companhia dos pais: brincavam com a neve. Faziam lindos bonecos, atiravam bolas uns aos outros… As suas gargalhadas não os deixaram passar sem se fazerem notar. Pedro, ao ver João na companhia de Cassandra começou a troçar dele. João não entendia o porquê daquela atitude, mas Cassandra sabia. Cassandra sabia que era chamada dos mais diversos e desagradáveis nomes pelos seus vizinhos; e parecia que nem a algumas crianças isso escapava.
Dias depois, era véspera de Natal.
Pedro andava pelas ruas a contar aos amigos o número de presentes que tinha na sua magnífica árvore, os doces deliciosos que a mãe estava a preparar para aquela noite.
João estava sentado com os irmãos perto da porta de casa a partir alguns galhos de árvore que iriam servir para aquecer a sua casa.
Como eram diferentes os seus mundos…
Pela primeira vez em dezoito anos, Cassandra percorre as ruas da aldeia. O espanto de todos era impossível de disfarçar. Burburinhos passavam de boca em boca. Mas o que estaria a acontecer? Porque teria tal pessoa vindo à aldeia? O Sr. António dizia até que poderia ser um mau presságio!
Cassandra dirigiu-se a casa da família de João. Entrou e, para desalento de todos os que ficaram de fora, ninguém soube o que se passou dentro daquelas paredes.
Cerca de uma hora depois, João, os seus pais e irmãos saem com Cassandra em direcção à casa desta.
Quando entram não queriam acreditar! Uma casa confortável, quentinha, uma mesa não muito abastada mas com tudo o que nunca haviam sequer experimentado; uma árvore de Natal minuciosamente decorada com alguns presentes em seu redor… Tudo como se de um sonho se tratasse. Mas era real!
Todos comeram, brincaram, riram… até Cassandra voltou a viver o Natal. Viveram uma noite que nunca iriam apagar das suas memórias.
No dia seguinte, quando João acordou, a sua nova amiga e o seu pai estavam na sala a conversar com um sorriso estampado na cara. Curioso, aproximou-se.
- João, a Cassandra já vive sozinha há muitos anos e não tem família. Convidou-nos para virmos morar com ela. O que achas?
O menino não coube em si de tanta felicidade. Não sabia se estaria a sonhar, se estaria acordado, não sabia o que dizer…
Era bom demais. Todos os seus problemas iriam ter um fim: o pai que já não tinha que trabalhar demais para dar de comer à família, a mãe que podia ter condições para se curar das suas gripes constantes, ele e os irmãos iriam poder comer como todas as outras crianças, todos passavam a dormir numa cama quentinha…
Cassandra pegou-o pela mão e dirigiu-se para a porta. Caminharam alguns metros e perguntou-lhe:
- Lembras-te daquela árvore de Natal? – apontando para o pequeno pinheiro ainda com os restos de algumas fitas de papel.
- Sim...- respondeu ele, expectante
- Foi junto dela que recebemos os nossos maiores presentes de Natal! – exclamou Cassandra.
O menino entendeu o sentido de cada palavra que ela tinha acabado de dizer.
A neve caía, o vento frio soprava, mas nada poderia interromper o abraço que houve a seguir àquelas palavras. O calor do Amor era muito mais do que o frio do Inverno.

10 de novembro de 2008

Árvore de Sonhos ( I )

Era chegado o momento de se começar a preparar o Natal. Estávamos a escassos dias de mais uma noite mágica.
Nas ruas a neve caía. As casas, enfeitadas de luzes, sobressaíam naquele nevoeiro da manhã. As pessoas andavam atarefadas, como era hábito, para que nada pudesse ficar em falta. Arranjavam a árvore de Natal, faziam bolinhas, compravam presentes…
À excepção de uma única senhora.
Esta ficava a observar os passos de cada um dos seus vizinhos.
Cassandra era uma senhora de meia idade, que vivia numa luxuosa vivenda cercada de arbustos que a deixavam isolada dos restantes habitantes da aldeia. Só a sua localização lhe permitia observar o que se passava: ficava no ponto mais alto da aldeia. Para ela, o local era o ideal: nunca poderia ser observada por ninguém.
Cassandra não era uma pessoa muito querida pelas gentes da terra: apesar de todos falarem nela, ninguém a conhecia, ninguém sabia nada acerca da sua vida. A vida de Cassandra era para todos um mistério. Havia comprado aquela casa há já cerca de dezoito anos para a qual se mudou sozinha. Nunca se deu a conhecer e ninguém lhe conhecia qualquer visita… Nem o Sr. António, que era quem sabia tudo da vida daquela aldeia.
Cassandra era, de facto, uma pessoa solitária: tinha perdido o marido. Filhos: nunca teve. Nada lhe importava na vida. Sentia-se só e sem esperança no mundo.
No entanto, não era a mulher que todos julgavam ser. Não! Ela era uma mulher de muitos e generosos sentimentos.
As marcas de uma vida muito dolorosa e amarga faziam-na chorar dia após dia. Quando ali chegou tinha a esperança de poder continuar a sua vida: sozinha mas com a companhia de todos aqueles seus amáveis vizinhos, todas aquelas maravilhosas crianças…
Mas este seria apenas mais um ano em que, para ela, não iria haver Natal. Há muito tempo que perdera o sentido.
Pedro e João são dois meninos desta aldeia. Têm sete anos de idade; um mês de diferença.
Pedro é filho do casal mais abastado da aldeia. Andava radiante com a chegada da véspera de Natal: um dos momentos do ano que mais gostava, tal como qualquer criança da sua idade.
Já João mostrava-se tristonho.
Os pais de João eram pessoas bastante humildes. O pai tinha o seu ganha pão na agricultura e a mãe não gozava de boa saúde. João era o mais velho de 4 irmãos. Tudo naquela família era feito com muito sacrifício.
Pedro, na sua casa, tinha já uma árvore de Natal rodeada de imensos presentes que o deixavam num êxtase incontrolável; João tinha visto negada pelo pai a hipótese de ir cortar um pinheiro para decorar com algumas fitas de papel de havia recortado.
Brincava com os seus irmãos, junto ao calor da lareira, enquanto a mãe, com alguma dificuldade, preparava uns ovos para o jantar de todos. Os seus pensamentos pareciam estar ausentes. E estavam. Quando pediu ao pai se poderia cortar um pinheiro não foi por falta de preocupação com a Natureza. Viu os pais de todos os seus amigos a fazê-lo e achou que mais um não faria a diferença. Quando viu negada essa hipótese, deslocou-se ao local onde tinha visto o seu pinheiro, levou consigo todas as fitas de papel e decorou-o. Ficou sentado a olhar aquela que achava ter sido a sua mais bonita obra dos últimos tempos.
Sem perceber, estava bem próximo da casa de Cassandra que, enternecida, chorava ao espreitar tão doce menino. Logo que deu pela presença da senhora, levantou-se pronto para voltar a casa.
(continua)